sábado, 15 de dezembro de 2012

Ah se

não você como se fosse tarde - como se não fosse sempre - como se perdesse tempo

não você como se fosse nuvem, como se já não fosse novembro, como se o mundo nunca acabasse

não você, como se vivesse pra sempre, como se não fosse raro, como se morresse de medo

não quero você, como se escorregasse, como se não fosse touro, como se abrir fechasse

ah, você como se fosse faca, o corte preciso da minha armadura

e em algumas noites, você como um escoteiro, o nó cego

da minha ternura

dias e outros, como se fosse uísque, remédio certeiro

pra qualquer cintura

como se nunca fosse fraca,

bem como quem faz da saudade que não morre a presença

de um corpo inteiro

não você como se fosse metade,

como se estivesse longe,

como se isso já não estivesse dado;

eu ainda te vejo como se queimasse

o tempo voa como as crianças

e na calçada bate a bola como quem também espera:

passe a passe,

traço a traço,

face a face

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Tristezas são belezas apagadas

"... belezas são coisas acesas por dentro, tristezas são belezas apagadas"

sábado, 24 de novembro de 2012

"Em cada caso, minha sensualidade, para só falar dela, era tão real que, mesmo por uma aventura, eu renegaria pai e mãe, mesmo se tivesse de lamentá-lo amargamente. Que digo eu! Sobretudo por uma aventura de dez minutos, e mais ainda, se eu tivesse a certeza de que ela não teria futuro". (Albert Camus, A Queda, pág 47)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

"E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei.
(...)
Um Diadorim só para mim. Tudo tem seus mistérios. Eu não sabia. Mas, com minha mente, eu abraçava com meu corpo aquele Diadorim-que não era de verdade. Não era?
(...)
Diadorim deixou de ser nome, virou sentimento meu
(...)
Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.
(...)
Abracei
Diadorim, como as asas de todos os pássaros.

(...)

(...)

:

amor é a gente querendo achar o que é da gente."


(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, trechos)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Jogando sério

"Você me emociona" é das frases mais delicadamente intensas de se ouvir.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Pra você, Yang

Se eu pedir, você morde forte. Nina Simone sabe tudo sobre nós. Tudo é muito mais do que eu sei. Eu fico sem saber de nada quando você anda assim, nessa fúria de fera mordida, gata, cabelos de chicote, lindos. Eu fico sem saber quanto calor consegue transpirar seu corpo, quantas são as curvas dessa vertigem - nem Hichcock dirigiria, só Nina, que espreita o balanço de nossas sombras, balança o silêncio onde descansam nossos suspiros; Nina sabe quantos dedos seus mistérios casam. Me deixa te usar de aliança, te guardar na minha mão, desfilar seus sins, tocar os sinos das suas demoras. Me deixa bater boca contigo. Bate boca comigo. Bate a boca na minha; a língua, o livro, o verso. Bate o seu verso no meu verso, tuas costas nas minhas, tuas linhas no meu ponto final.
Fica comigo, sonha comigo, diz que me quer, que eu também quero, mas, quando eu pedir, você morde forte. Não me deixa gostar. Traça um ponto de fuga, me beija, mas aponta meu norte, me diz a hora. Eu quero você, mas quando a Nina para de cantar é veia aberta, cava o pulso, gaze na boca, eu mordo forte.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Pelotas, 20 de julho

É a cidade do doce. Eu..., você conhece. Minha vontade era de dez, mas comprei dois doces de amêndoas, uma água e encontrei um cantor de rua no parque. Ele usa uma lata de azeite como porta-microfone e toca uma vassoura. Os olhos abrem mesmo é quando o ouvido percebe que o som não vai mal. Quando sentei na grama, ele cantava uma composição própria - algo como "a moça da padaria tentou, mas não pode me dar um sonho". Achei graça. Veja, agora começa "brinquedo de sex-shop" - "fiz prum amigo", ele explica. Minha terceira mordida é embalada pela máxima "tudo o que você me fala, você aprendeu no google". O cara é divertido. Mas que mordida, que doce delicado...; o estômago geme. Férias: hora de esquecer o tempo e ver a cidade respirar.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cara de boa de cama

Muito mais difícil do que ser bonito, é ter charme. Charme é uma beleza inteligente. Pessoas que se cuidam, sei lá, que subitamente ganham muito dinheiro, que gastam algum tempo da vida nessa função, naturalmente, de um modo ou de outro, acabam se encaixando no parâmetro comum de beleza. O charme é mais. Mas o problema mesmo, mais do que ter charme, mais do que ser bonita, é ter cara de boa de cama. Isso é um perigo. Sobretudo porque, quase sempre, essa cara tal acompanha um charme inacreditável. ai ai ai. Cara de boa de cama. É isso. Fudeu.

domingo, 24 de junho de 2012

No papel da saudade

Eu sinto, de você
uma saudade crepom
que me encapa a carne
em cada curva que anoiteço

do tempo, essa saudade
um tempo que mastigo
como os andarilhos da Bolívia
nos trilhos do trem da morte
mastigam coca pra não explodir

eu como você
eu como o nosso tempo aqui do alto
na montanha onde me escondo

onde não tem amor,
não tem torta de limão,
é só o tempo pra mastigar
e nem 2 mil pés
no meu pulmão
sufocam tanto quanto essa saudade

Eu queria que você soubesse
que eu te amei sem hora
e tanto
que me atrasei

Eu queria esquecer
essa sua boca linda agora
mas minha saudade crepom
me tinge de amarelo o passado
e grita tanto
que eu quase nem vejo
a sua boca
salivando
outra boca

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Nota de página

Sutil:
Não dá
pra fazer
poesia
de sutiã

Origem do cômico

"Se for levado em consideração que, durante centenas de milhares de anos, o homem foi um animal acessível ao medo no supremo grau e que para ele tudo o que fosse repentino, inesperado, significava estar pronto a combater, talvez pronto a morrer, que mesmo mais tarde ainda, em regime de sociedade, toda a segurança repousava no esperado, na tradição em termos de opinião e de atividade, não devemos nos admirar que, diante de tudo o que é súbito, inesperado, em palavras e em atos, quando se produz sem perigo nem dano, o homem fique aliviado, passe para o oposto do medo; o ficar trêmulo de medo, envolto em si próprio, se ergue rapidamente, se estende comodamente - o homem ri." (Nietzsche - Humano, Demasiado Humano, Aforismo 169).

sábado, 9 de junho de 2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

This is a man's world

Pontão, Brasília - 2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Caos

Dói não ter o tempo que eu gostaria para escrever. Clarice disse "quando eu não escrevo eu estou morta". Não sou Clarice, nem sou clariceana, mas morro também um pouquinho.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Quem sabe um dia

Fica

Chico, claro

"Diz que eu não sou de respeito
Diz que não dá jeito
De jeito nenhum
Diz que eu sou subversivo
Um elemento ativo
Feroz e nocivo
Ao bem-estar comum

Fale do nosso barraco
Diga que é um buraco
Que nem queiram ver
Diga que o meu samba é fraco
E que eu não largo o taco
Nem pra conversar com você
Mas fica
Mas fica ao lado meu
Você sai e não explica
Onde vai e a gente fica
Sem saber se vai voltar

Diga ao primeiro que passa
Que eu sou da cachaça
Mais do que do amor
Diga e diga de pirraça
De raiva ou de graça
No meio da praça, é favor
Mas fica
Mas fica ao lado meu
Você sai e não explica
Onde vai e a gente fica
Sem saber se vai voltar

Diz que eu ganho até folgado
Mas perco no dado
E não lhe dou vintém
Diz que é pra tomar cuidado
Sou um desajustado
E o que bem lhe agrada, meu bem
Mas fica
Mas fica, meu amor
Quem sabe um dia
Por descuido ou poesia
Você goste de ficar"

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Blog novo

BB,
eu e João criamos um blog de recados. Você sabe que "fechando e abrindo a geladeira", na música do Cazuza, sempre me intrigou. Não entendia nada, pra falar a verdade. Até que um dia eu descobri que tinha a ver com aquela mania de abrir e fechar a porta da geladeira na ansiedade, você sabe como é. Parece funcionar. É mesmo um lugar mágico esse, não? Um pólo norte em pleno verão do Rio de Janeiro; um objeto muito obscuro. Nossas inquietações parecem em casa.
Com amor,
T.

domingo, 6 de maio de 2012

Não me arrependo


(Caetano)

Eu não me arrependo de você
Cê não me devia maldizer assim
Vi você crescer
Fiz você crescer
Vi cê me fazer crescer também
Prá além de mim...

Não, nada irá neste mundo
Apagar o desenho que temos aqui
Nem o maior dos seus erros
Meus erros, remorsos
O farão sumir..

Vejo essas novas pessoas
Que nós engendramos em nós
E de nós
Nada, nem que a gente morra
Desmente o que agora
Chega à minha voz
Nada, nem que a gente morra
Desmente o que agora
Chega à minha voz

Eu não me arrependo de você

terça-feira, 1 de maio de 2012

Feitiços da chuva


faz algum tempo,
chovia
eu era lenha,
lareira,
aquecedor,

um corpo qualquer
mais um,
dois,

fervendo

em cima
da mesa
borbulhando
as canecas
aquecendo
as banheiras

ah!

faz algum tempo
no fundo
eu era fria,
tão fria,
que tinha medo
de congelar
quando chovia

hoje chove
estou velha e surda
me basta um lençol
e suas orelhas
aquecendo
meu travesseiro

domingo, 8 de abril de 2012

O que é o desejo?

O que é o desejo? Perguntou Hilda Hist, que respondeu na cama, na boca de outros, na poesia, na vida; respondeu vivendo, flexionando o infinitivo, presenteando o verbo, dizendo sim.

O que é o desejo? Perguntam os adolescentes, entre bitocas atrás da porta, amassos no muro da escola e segredos embaixo da cama. Perguntam os jovens, entre o amor eterno, o nunca mais e o só essa noite.

O que é o desejo? Perguntam os químicos, que gastam seus dedos em tubos de ensaio e buscam respostas na acidez da saliva, no sal do suor, nos milagres do período fértil, e tudo isso com luvas, de máscara, ao longe, na ignorância da equação já balanceada que produz mais desejo a partir do elemento-tato; explosivo.

O que é o desejo? Perguntam quase todas as mulheres que queimam, com seus colos vermelhos e os seios atentos; a boca seca e os meios das pernas afogando o próprio desejo enquanto elas perguntam o que é, vai entender, e duvidam!, e vacilam!, e mal sabem que isso tudo é resposta.

O que é o desejo?
Passa o dedo e lambe: não é o que, mas que gosto.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Verso do criado mudo

por dentro do armário
os velhos vestidos
estampam bolinhas
de naftalina

do lado de fora
está um barato:

você

sai
daqui

enrolada
na cortina

terça-feira, 27 de março de 2012

Por amor ao contingente

o ser
em si
é um
ah
cidente
aquilo a que se chama
"Homem"
não pode deixar de ser
"Homem"
sem deixar-
SE

ah
um brinde aos conceitos
sexistas
!

aquela que se chama
"mulher"
pode deixar de ser
"homem"
sem deixar de ser
"SE"

às 7 da manhã
descubro:
já deu
meio-dia

ontologia,
epistemologia,
hedonismo
e
metade do mundo
está atrasado

que diria Galileu,
que quase morreu
torrado?

filosofia é uma cinza
que
queima
no
breu;

o ser
em si,

é um achado



27/03/2012

Palestra sobre a questão da verdade em Leibniz.

sábado, 24 de março de 2012

Escuta

cuidado, rapaz
na corda-bamba do trapézio
não sobe qualquer pé

cuidado, rapaz
o segredo de não cair
de
mo
ra
já dizem lá no circo

o segredo de não cair
é gostar muito, rapaz:

só quem ama
equilibra

terça-feira, 20 de março de 2012

Um poema da Bárbara

OLHAR QUE REFLETE O MUNDO MEU: O SEU

Os olhos do corpo
Parecem os olhos do mundo
Digo
Os olhos do seu corpo
Parecem os olhos do meu mundo
Seus olhos me olham e.
Seus olhos me olham
E vejo o mundo que sonho dentro
Os outros olhos, que pareçam qualquer
Que pareçam o que vivo fora
Que pareçam

Você
Me sonha dentro


Bárbara Gontijo

(www.querodizeraquevim.blogspot.com)

terça-feira, 13 de março de 2012

Nunca e mais

Você se foi
levando nas costas
um pouco de nunca
E MAIS:

Aquele imã de geladeira
que eu gostava tanto
e os cds da Janis Joplin
que a gente colocava
pra suar

Você se foi
levando nas costas
as chaves da porta da frente
o cadeado da porta de trás
um pouco de nunca
E MAIS:
os segredos
da porta de dentro

(segredos arteriais)

Quando acordei
quis me ver,
não era mais eu:
você se foi
levando nas costas
minhas digitais

Todo o dia morre um dia.

Ai,
que dor,
que medo eu tenho
desse nunca mais.

segunda-feira, 12 de março de 2012

12/03/2007

Há 5 anos esse era meu primeiro dia no Pedro II. A maioria das pessoas muda completamente de vida quando entra para a faculdade. É preciso guardar essa data, porque, na verdade, minha vida começou a mudar completamente aqui. E ainda vive os reflexos. Foi bom. Foi bom demais. Agora chega do eu-de fato e vamos voltar ao eu-lírico, que é quando os pés não estão trocados e o autor encontra algum conforto quando se relê.

Dilemas

Não sei se compro uma passagem pra Brasília, um Ray ban ou os dois. Tenho muito medo de sufocar em Brasília, mas não é só o Djavan que diz que o céu é lindo, pessoas contam que é realmente impressionante, fico curiosa.
Pensando em Brasília, ouço meu professor de Direito Financeiro dizer em plena noite de segunda-feira: "a vida é muito curta... Com tanto espaço no mundo, a vida é uma poeira, sabe?" Foi com aquela entonação nordestina, bem carregada no sotaque. Ele tem o cabelo bem branco, deve ter mais de 60 anos, embora seja muito jovial, além de doce. "Eu tenho muito orgulho de ser da Paraíba, você vê, a Paraíba é tão importante que todo mundo que é do nordeste o pessoal chama de paraíba".
Achei essa sacada linda, muito "clariceana", ou talvez, "macabéica". A turma adorava a interrupção, bem mais leve do que o orçamento do Estado. Ele terminou, bastante sério, como quem dá um alerta de perigo:

"as paraibanas são as mulheres mais cheirosas do Brasil, visse?"

Saí da aula inspirada, pensando numa história cangaceira; ele no papel de delegado coronelista, algemava uma Maria Bonita pós moderna. Nessa história, o marido era cúmplice, e numa cumplicidade machista, o delegado pensou em deixar o sujeito livre, ao invés de prendê-lo junto com ela.

Então no clímax da história, o delegado, já sem paciência nenhuma com o cabra que não se decidia, num sol a pino, encerra aos berros a proposta ao marido, coitado:

_ Escolhe, homem, o céu ou o cheiro!

...

Não fiz o conto porque ainda não sei como sair dessa. Há dilemas menores que ainda não resolvi, não sei se posso decidir a vida de um cangaceiro agora.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Amigos e presentes


Para além do que já é lugar comum, ganhei de aniversário uma antologia poético-erótica, um livro sobre Sade, um vestido preto-mulherzinha, uma cachaça do Norte, uma cartomante (pois é), mais um que provavelmente também é curioso, mas só vou saber quando Júlia voltar de viagem e... um poema do João. É realmente uma sensação incrível ganhar um poema. Sinto que em qualquer ocasião vou ler e me sentir amada. Seu poema é um abraço, meu amor. O tempo voa, olha só quantas histórias nós já temos! Gosto do teu verso, gosto do modo passional como encara a inspiração, como encara a vida. Você agarra a poesia. E come. E eu te saboreio, te admiro e te amo.

Presente

Não tinha dinheiro pra compra presente
Certos limites são incongruentes
Ofereci afeto como pagamento
O filho da puta disse: Só lamento!

Procurei na fresta da minha janela
Por baixo das pernas, no vestido dela
Com verso rimado, que coisa mais brega!
Fiz o meu presente pra morena fera...

Fera
Ferra
Fera
Mim

Pêra
Péra
Que eu já vou

Leve
Leva
O meu afeto

Quebre
Quebra
Cada versinho

Tem morena no samba
Tem morena na cama
Morena na areia
Me morenar

Tua pele é o segredo
Tua boca é a chave
Teu verso é o porrete
Morena morenar

A roupa, a comida
O cigarro e as cinzas
A cerveja na mesa
O vinho na lua


O futuro te espera
O passado aguenta
O presente é o presente
Morena

João Victor

24/02/2012

(J., escolhi essa foto da Bruna porque, sem dúvida alguma, é uma das que mais mexe comigo. Quando vi, coincidentemente, foi logo depois que escrevi algo como "você é um barco a motor, louco pra ficar à deriva". Acabamos chamando a foto de "à deriva". Eu acho mesmo essa imagem linda, um pouco lúdica também, muito intensa. B., quero guardar essa lembrança aqui, embalada pelo poema do João, como um certo presente também, com a certeza de que admiro muito o seu olhar).

Tutorial para cansar

Fale aos berros.
Só fale de si.
Diga o quanto você é poético.
Diga o quanto seus versos são profundos.
Informalmente, me dê aula sobre algo que conheço bem.
Comece a falar sobre minha produção sem conhecê-la, começando bem assim:
"Você que é mulher, deve ler Clarice Lispector".
Acrescente, ainda sem conhecê-la, como um bom conselho: "porque é importante ter um estilo, e isso você só vai aprender escrevendo."
Fale compulsivamente às 7 da manhã.
Ignore a subjetividade de seu interlocutor, seja imediatista, queria respostas quando ele estiver lendo.
Toque com as pontas dos dedos enquanto fala, ou dê tapinhas. (palmas das mãos ainda são delicadas).
Haja como se aniversário e comemorações não fossem importantes.
Chegue atrasado e justifique com uma situação perfeitamente evitável.
Diga que fiz algo que não fiz.
Diga que falei algo que não falei.
Jogue responsabilidades na minha caixa de emails sem dar satisfação.
Ignore ironias, como se seu interlocutor não fosse esperto o suficiente para aquela sacada.
Seja grosseiro, sem nem estar com fome.
Recuse gentilezas.
Haja como se soubesse muito da vida, de preferência se esquive de algo besta apoiado nessa justificativa.
Seja violento com crianças, usando ameaças como vírgulas.
Seja folgado sem ter intimiidade; de preferência acabe de me conhecer, pare para conversar com um desconhecido e me faça esperar.
Assuma uma posição política que você não conhece.
Confunda gentileza com paixão, um flerte com casamento e uma provocação com grosseria.
Ignore a poesia cotidiana.
Faça piadas preconceituosas insistentemente, fora de contexto.
Ressalte nas pessoas características que as deixam inseguras.
Chame alguém para sair sem a menor noção de lugar.
Não seja recíproco.
Haja como se a vida fosse muito longa.
Tenha muitas reservas, sem charme, como quem belisca um prato estranho.
Critique o trabalho de alguém gratuita e cruelmente.
Diga que Filosofia não dá futuro.
Ponha o rótulo de "utopia" em tudo o que você não acredita.
Repita sempre: esse mundo não vai pra frente.
Use a idade para desqualificar a posição de alguém em público. (uma das campeãs da lista)
Não leve a juventude, os doentes, os psicóticos, os deficientes e as crianças a sério.
Fale coisas extremamente desnecessárias sob a desculpa de ser sincero. (também uma das melhores)
Diga com toda a firmeza que "x é natural do Homem".
Cochiche no cinema.
Haja como se soubesse exatamente o que eu sinto.
Seja absolutamente inflexível sobre tudo o que pensa.
Oscile, mude de humor com facilidade.
Faça tudo isso e ainda, se puder, numa segunda-feira de manhã, chame minha atenção como a gentil secretária que disse:
_ O papel do pedido ou sua identidade.
_ Aqui. (mostro a identidade)
_ Você precisa aprender a guardar papel.

(silêncio)

_ A senhora me conhece?

Aiai, é mole ou quer mais? Texto idealizado exclusivamente para imaginar que os cansativos do mundo não são assim, mas acabaram achando o tutorial no google e decidiram me sacanear. Uma dose de egocentrismo não vai mal nessas horas, vá lá...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Imperativos

Larga:

meu poema,
minha cabeça,
e a ponta dessa lança
que você abraça

Esquece:

o meu pra sempre,
o meu passado,
essas mentiras,
e o gosto daquele beijo
no meio da rua

Lembra:

a minha mão,
procurando a tua,
dentro do casaco,
a tua mão,
procurando a minha,
em todos os rascunhos

Toma:

meu Poême,
meu presente,
meu futuro,

toma meu tempo,
quebra meu relógio

Abre:

os olhos,
a porta,
as pernas,
abre a boca e diz que quer
que eu fique

Fala:

que me ama
que te falta
meu poema,
minha língua,
e o gosto daquele beijo
estalado da sua

Cabe:

no meu abraço,
na minha vida,
e no meio,
das minhas coxas
que são tuas

Lava:

essa louça,
essa mágoa,
esse orgulho,
essa saudade que só ela

Volta:

pro meu colo,
pro meu poema,
pro meu futuro,
pra chuva daquele beijo

Faz:

daquele jeito,
como se fosse a última

Faz pra mim:

um desenho de camelo,
uma torta de limão,
um filho, dois,
uma pose renascentista,
minha flor,
o que pintar por aí

Guarda:

cada letra,
cada carta,
cada coragem
de viver
guarda

Luta:

quando doer,
se estranhar o espelho
e não souber mais quem é
quem

Recomeça:

todo o tempo te espera
sem pressa
agora

Ouve:

meus imperativos se confundem
entre o sim e o não
me sinto estúpida,
não faço sentido

Olha:

se você canta músicas
que não existem
antes de dormir,
eu acho lindo;
o nome disso é
inspiração
mas sou tão dura comigo
quando esqueço a coesão

Me ajuda:
a perder os sentidos

Diga baixinho assim:

eu te amo,
isso é uma janela.

Eu digo assim:

eu te amo,
isso é um martelo.








Veja só:

somos realmente felizes
quando a incoerência
não dói.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Enquanto isso, no Tribunal...

O mais sacana da vara diz alto:

_ É que agora o Pedro é poeta!!

Pedro é um rapaz alto, magro, com ar ligeiramente inseguro, talvez um pouco desconfiado, mas, de todo modo, um cara de bom humor.

Volta para a mesa rindo do comentário feito pelo sacana, que é um pouco barrigudo e espaçoso, em todos os sentidos. É o de humor mais notável. Aquele tipo de cara de liderança, que costuma ser popular no trabalho.

O mais velho da vara tampouco é o mais sério. No entanto, engana como ninguém. Quando o conheci pensei que ele era o chefe. É sério e ainda tem bigode. Morador de Ipanema, o primeiro comentário que vi sair de sua boca foi sobre a praia nos finais de semana, depois do metrô. "Aquilo lá virou o inferno depois daquele trem. Pelo menos durante a semana dá pra ter um pouco de paz." Esse é o mais velho da vara.

Depois de algum tempo - talvez depois de ter sentido cheiro de uísque entre uma hora de almoço e outra - nutri alguma simpatia por ele. Passei a observá-lo também. Ouvir suas histórias, medir seus afetos.

Ele quase sempre fala das filhas, que são muito inteligentes, bonitas, bem sucedidas; eu gosto de ouvir. Outro dia ele me falou: "você deveria juntar seu dinheiro e fazer um mochilão pela Europa, como o que minha filha fez".

Ouço seus conselhos contemplando a visão de quem tem 50 anos a mais de vida.

Foi com esses olhos que ouvi sua resposta ao mais sacana da vara, em meio ao sorriso do Pedro desconfiado, o mais velho disse:

_ O Pedro é poeta? Eu não sei... pra ser poeta tem que ter sofrido um pouquinho...

Na hora, meu hedonismo inteiro fez cara feia. Depois pensei que talvez, também, assim, devagar, depois do amor, amando, antes de amar; doer só um pouquinho, pra saber que vive.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Universo é aqui

tudo talvez seja
quase nada

tudo é muita coisa,
menina,
tudo é tanto
que nem se sabe

eu tento o tudo:

chalés,
filés,
hotéis,
mil e um acarajés

eu falho o tudo:
nem no plural cabe

mal me escapa
já tento tudo de novo
no singular, talvez:

carro,
casa,
sexo bom
e
jazz

...
...
...

falho de novo:
tudo pode ser

uma massagem
nos pés

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Se você parar

se olhar bem o relógio
ainda cabe um poema
ali no meio
entre um traço
e outro
traço
cabe até
um amor inteiro

se você parar
e olhar bem o relógio
cabe

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Entre flores e meninas

Quando você chegou, te recebi com flores, assim como aconteceu naquele aniversário. Adoro dar presentes, mas não sei se sou muito boa nisso. Falta um gole de paciência; gosto muito quando os presentes me encontram. É mais ou menos assim: ao longo de uma conversa, surge a deixa que te lembra o livro x, a bebida outra, o afago preciso; dão bons presentes, esses segredos discretamente delatados.
Talvez tenhamos sido sempre claras demais. Varri as prateleiras, estandes, vitrines... nada te surpreenderia. Pensei em levar aquele livro sobre o qual falamos, do velho que nunca dorme, porque tem medo de morrer - ou será que sempre dorme? - mas sua avó havia morrido recentemente, não ia pegar muito bem.
Até uma hora antes do jantar marcado na sua casa, tudo o que eu tinha era a certeza de um vinho na cabeça. Passei no mercadinho daquele português gente muito boa e disse a ele que a ocasião era especial, que o vinho era presente, que você gosta desse jeito, assim assim e coisa e tal.
Ele entendeu bem, fez cara de sabido, me mostrou a palma da mão como quem diz "aguarde" - ou, quem sabe "me veja". Eu vi. Das linhas da pele do português, que agora vasculhava suas prateleiras com ar professoral, virei para o dedo que quase me doía, de tanto que tocava minhas costas.
Nessas circunstâncias, costumo me virar com cara de poucos amigos, você me entende, não é nada agradável ser abordada dessa maneira insistente.
Virei.
Quando percebi o que me chamava, tive a estranha impressão de ter sido tocada pelos pequenos caules de rosas que surgiam a minha frente. Veja só que tamanha surpresa tive: flores de todas as cores, vermelhas, brancas, quase cor de chá brotavam de um enorme balde que flutuava bem ali na minha frente.
Não tenho muita certeza se foi porque nos encontraríamos em seguida, mas havia também aquela flor amarela, que, quando olhei, era você. Não sei se já te aconteceu isso, de ver uma pessoa num balde de flores. Sei que muitos encontram amores em livros, paixões em quadros, lembranças no outono: eu te vi naquelas pétalas.
Eram vivas, de um amarelo mais expressivo do que o normal. Como se não bastasse, estavam pouco abertas, nesse contraste que envolve a timidez e a ousadia de um desabrochar; a flor amarela era você, dizendo sim à vida.
De repente, o balde cambaleou, percebi que se escondia embaixo de todas aquelas cores uma menina de pouco mais de um metro e meio, que tentava equilibrar as flores - não tão flutuantes assim - com as duas mãos.
"Compra flor, tia?", me perguntou ofegante.
"E por que eu vou comprar se é coisa que dá em tudo quanto é lugar?", decidi provocar a criança.
"Minha mãe falou que nossa flor é diferente" - ela disse, em tom de mistério.
"Ah é? E eu posso saber o que ela faz?"
"Ela faz a pessoa que receber ser feliz pra sempre."
"É mesmo? Então eu quero essa amarela do meio, você gosta dela?"
"É muito bonita, tia! Mas não prefere essa rosa mais aberta?"
Disse que não, queria aquela outra. Agradeci logo depois que ela embrulhou e foi embora, serelepe, interceptando os casais que encontrou ao longo da calçada.
No caminho pro seu jantar, lembrei dos livros que quase levei, do vinho que escolhi e de toda a sorte de objetos que pensei em te comprar: esse ano não.
A menina era esperta, boa vendedora, ainda vai descobrir que o há de diferente com as flores é justamente o que as aproxima de nós: elas morrem.
Elas morrem, e o feliz para sempre é sempre no futuro. Não escute essa bobagem, sempre é nada, não se pega nele nunca, e eu te quero mais perto, mão na minha mão, mais calor, carne, menos príncipe encantado, conto de fadas; eu te quero terrena, flor. Cada corpo é um paraíso.

Antes de tocar a campainha, puxei a caneta e escrevi com letras miúdas no cartão:

gosto-de-te-ver-florescer.

Já é seu aniversário, meu amor; a vida não pisca.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sobre "Os vestidos do tempo"

A fila era mesmo enorme, mas o que me chamou a atenção foi o sujeito atrás de mim ao telefone. Textos têm vida própria, eu deixo, nem de longe pretendo encerrar a liberdade de uma história.

Ocorre que eu ia escrever sobre ele, o texto tomou outro rumo, mas não esqueci. O cara mesmo não mexeu comigo, eu mal olhei pra ele. No entanto, ouvi partes da conversa, já que o espaço era pouco e ele ficava imediatamente atrás de mim.

É que em meio a um calor infernal, essa fila imensa, ele conversava com a pessoa do outro lado, num tom meio rabugento, um tom que me chama a atenção, porque me identifico, assim, beirando a falta de paciência, mas ainda com certa delicadeza, sobretudo porque a pessoa do outro lado devia ser querida. Eu diria que era a esposa, namorada, namorado, não deu pra sacar se era gay, mas acho que não.

Ele mantinha o diálogo com essa outra pessoa, e eu ouvia, entre sons pouco compreensíveis e manifestações do tipo "érr...", "pois érrr..."
Já ao final da conversa, depois de passado algum tempo e nosso lugar na fila mal ter avançado, ele diz:

_ Olha, parece que vai demorar aqui, põe a cerveja pra gelar?

Era segunda-feira. Fiquei pensando que prazer mais delicado é esse: ter alguém em casa te esperando com uma cerveja gelada.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Eu quero comer suspiros I

O encontro com uma inspiração é um suspiro
do tempo.

Vez ou outra acontece,
no caos das horas,
o eco de
um minuto que demora
mais do que deve durar

Não se engane:
isso é aflição.

O encontro com uma inspiração é um suspiro
do tempo.

É o enamorar-se de uma imagem.

É viver o despontar de uma paixão
Diferente.
Que mais quer olhar
Do que ver.

Entende?

domingo, 29 de janeiro de 2012

Notas de um eu-lírico de vestido

É madrugada de mais um fim de uma semana. Apesar de me sentir exausta, a noite de tempestade me convence a adiar um tanto mais o sono. Não é sacrifício: a madrugada é linda, a chuva é linda, e eu ainda tenho fome.
Hoje é sexta, ninguém foi ao mercado. Podia mesmo era ter umas sobrinhas do almoço, o que se fez dele?
Escolho as torradas. Pelo menos tem geléia de amora. Lembrei que almocei correndo na rua, não ia ter comida mesmo. É até bom: a torrada integral me lembra que tenho mãe. E que ela faz dieta. É mesmo muito doce essa lembrança, mas faço votos sinceros de que ela lembre que tem filha em outras circunstâncias. Café amargo é melhor do que torrada integral.
Hoje foi um dia de conquistas: saí de guarda-chuva e voltei com ele. Acredite.
Tenho a séria desconfiança de que sou responsável por uma gorda porcentagem do faturamento dos vendedores de guarda-chuvas do Rio de Janeiro. Eu esqueço sempre. Mas hoje não. O que foi ótimo, porque passei horas esperando um ônibus, protegida pelo meu guarda-chuva poderoso. O que aconteceu foi que troquei os esquecimentos: lembrei disso, esqueci daquilo. Daquilo" é o banco. Esqueci de passar na porra do banco.
No fim das contas, encontrei um táxi com débito, mas ter paciência ensopada seria bem mais difícil.
A porta do banco sempre trava comigo. Só melhora quando estou de vestido. Juro. Na escala das vulnerabilidades, vem o vestido, depois o texto. Ou talvez o texto antes do vestido. Depende. Mas, no fundo, deve ser porque é muito mais difícil esconder qualquer coisa num vestido. Qualquer coisa cortante, fatal. Fica tudo muito mais claro num vestido; a porta está aberta.
Pois bem: foi um dia de conquistas. De re-conquistas, contrastes, perdas. Por isso a avidez por papel: Eu não posso esquecer.
Dentre os motivos que me levam a escrever estão três: seduzir, lembrar e aprender a morrer. Dentre as pessoas que me seduzem estão três: as que também quero seduzir, as que quero lembrar, aquelas com quem quero morrer.
Hoje foi particular porque tomaram forma algumas pessoas das quais quero lembrar, mas não sei se quero mais morrer com elas. Encontrei inúmeras inspirações em potencial, mas envoltas agora num charme tão distante...
Inspiração é coisa de dentro. Isso tudo de "in" quase sempre pressupõe dentro, é certo. Inspiração distante é contradição. Inspiração é coisa de quem está "sendo agora".
Enquanto escovava os dentes, pensei em escrever uma carta ao meu tio avô. Não sei como, ele me pareceu tão presente. Mas que estúpido escrever a um morto! Talvez Por ele, tal qual sublinhou Deleuze, mas tê-lo como destino eu não sei.
Curioso ter lembrado dele. Foi a primeira morte que vi mais perto, um soco na garganta, mas uma partida que não chorei.
Minha amiga vai morar em Lisboa quarta-feira. Disse tchau a ela hoje, até breve, e foi tão estranho que bebi vodka. Dei um abraço quente, e senti um aperto no peito. No fundo, me encanta essa morte consentida, essa vontade de mudança, essa coragem. Não cabe o choro: ela vai casar na terra do bacalhau, mal cabe em si.
O Rio continua lindo, mas meu inferno astral começou com três prédios caindo. Bebemos cerveja no trabalho, como quem esquece. Não deu. A madrugada avança, a vida diz que qualquer coisa pode desabar a qualquer hora. Agora, sinto algumas pedras no meu sapato. O prédio aqui ainda está inteiro; é que me bateu forte uma saudade do amor.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Se eu chorar, corra

Se um dia eu chorar na sua frente, é porque alarguei. De tanto engolir, minha alma engordou. Aumentou suas medidas, arrancou o vestido pelos olhos. Pode ter certeza: se eu chorar na sua frente é porque encaixei e não coube. Corra.
Não ria de mim. Quase todo mundo cabe em si, eu sei. Quase todo mundo guarda os olhos para ver, é bem melhor assim, eu penso sempre nisso, mas, se eu chorar na sua frente, tente entender que não quero.
Corra pra ver que não posso nada com minh'alma. Não tem querer quando ela incha, não tem mais eu, persuasão, suborno; quando choro, meu eu é súbito.
É uma experiência que finaliza toda e qualquer discussão cuja pergunta central é se a alma existe. Que piada, eu diria: quando choro eu quase pego nela.
Pego parece tão carinhoso, é mentira, eu quase rasgo ela. Depois amo. Uma ruminante de alma: é o que devo ser.
Mas você, se eu chorar um dia, corra. Corra rápido, a passos largos, sem medo;
corra pra dentro de mim.
Haverá espaço, talvez um lugar já vazio onde estará escrito "alma", não se espante. Trace um risco, escreva "lama" e deixe vazio mesmo. Corra daí. Corra mais fundo, mais dentro que minha alma, vá até onde as pisadas cessam: eu deixo você olhar pra mim.
Então me olha lento, por favor, demora esse olhar por dentro, ninguém nunca me olhou assim, eu nunca deixo entrar. Diz pra mim de que cor é meu eu mais fundo, diz se é bonito, se cheira bem.
Morde. Isso, devagar - arrancar um pedaço dói. Agora me diz que gosto eu tenho, se é doce meu mistério, diga que tal te parece...
Esquece os minutos, degusta minhas entranhas, confia no meu avesso.

... se eu chorar na sua frente, corra pra dentro de mim. Se eu chorar por dentro, nada. Se afundar, afundo junto, e nada mais.

domingo, 22 de janeiro de 2012

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os vestidos do tempo

Outro dia mesmo, você vê, estava eu numa fila enorme, no banco. Atrás de mim, um cara de meia idade falava ao telefone com uma mulher que, suponho, talvez catolicamente: era sua esposa.
Conversava um tanto puto por conta da fila, que parecia mesmo infinda. Enquanto falava com ela, olhava de rabo de olho o início da centopéia, como quem parece maquinar algum plano maquiavélico.
Eu observava a evolução da conversa, atentamente mergulhada naquela outra vida; um dos prazeres que as filas proporcionam é o tempo.
Não o tempo corrido, que não se pega, mal se vê, mas, ora ora, o tempo do quase, o tempo do ainda: o tempo da espera. Eis o grosso desse fenômeno, eis o concreto desse mistério: quem diz que nunca tocou no tempo, o diz porque nunca precisou esperar.
O tempo da espera é tão real que pesa. É uma presença imperativa, altiva, tão pouco subordinada.................
uma presença que dói. Por muitas vezes dói. Nem sempre as pernas, as costas, a cabeça; dói por dentro. Num ponto tão misterioso quanto o tempo, tão pouco palpável quanto ele, mas que a dor faz tomar forma: a aflição da espera desenha o disforme.
Na fila do banco, quase ninguém vê. Olham seus relógios, analisam os ponteiros, param, pensam, falam com suas esposas, disfarçam a espera, ensaiam uma conversa qualquer - quem sabe o tempo - "que tempo!", disse um.
Da fila dos idosos, responde um senhor, cujo quadril se sustenta em pequenos galhos já bem gastos: "olha, eu não aguento mais esse tempo".
O asfalto até queimava, mas lá fora. O tempo que li nos galhos era outro.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O que você disse?

"adoro o seu cheiro."

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Seu juiz, não me prende, é poesia

A mulher disse que o cara tem Alzheimer. É duro. É mais duro ainda porque ela também assinalou: demência.
Demência é uma palavra muito cruel. Sempre me caía mal quando ouvia alguém dizer que fulano é demente, mesmo se for esse o termo certo para o tal do diagnóstico, seja lá como se chama isso. "Certo" é engraçado. "Certo" é massagear os ouvidos, ora veja. "Demente" não massageia nada.
A filha dele mora na Lagoa, mora com ele. O coroa tem mais de 85 e tem Alzheimer, eu já disse isso, eu sei, é só pra ficar bem claro que ele tem Alzheimer, você entendeu, certo? Porque quem disse isso a princípio foi a advogada, quando abriu o processo com o pedido de interdição.
Uma interdição pode acontecer diante de uma doença como essa, que faz uma caneta na mão virar uma verdadeira arma de auto-destruição. O sujeito perde os direitos políticos e, sim, outra pessoa responde por ele. Era isso que a filha do cara queria.
O juiz mandou o perito dar uma olhada na situação, pra ver se não era caô da garota pra ficar com o dinheiro do velho, isolar ele num quarto e dar festa pelo apartamento inteiro em plena quarta-feira, essas coisas que eu e você sabemos que podem acontecer.
O processo caiu na minha mão sem querer, eu nem flertei com ele, veio de mão beijada e eu li despretensiosamente, porque me interesso pelo outro, porque sou curiosa, porque gosto de ver a história acontecer. A surpresa, seu juiz, foi a poesia da demência.

(...)

Relata que o avô faleceu aproximadamente em 1962, com 61/62 anos.

"sequela da 2ª guerra, meu avô foi prisioneiro de campo de concentração na Rússia por 4 meses."

Trabalhou como gerente de obras, gerente de hotel, carabineiro. Ao que o saiba, foi tababista, e foi elitista:

"de vinho, com certeza".

Perguntado quanto dá 7+15, diz:
"7 mais... 15... 7 mais 15... acho ou não... 7 mais 15
...
...
de que sete?"

(Lúcido, meu caro psiquiatra. De que 7 o senhor fala?)

São 15hrs 02 min e pergunto se sabe qual é o meu nome, ao que diz:
"o seu nome?
Eu to sendo agora...
e você tá aqui."

(Não tem sigilo, seu juiz. Tem poesia aí em cima.)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Primeiro poema do ano

O primeiro poema do ano foi um abraço. Isso é um texto doce. A palavra é tão pouca, porra, que inveja da imagem. Como é que eu posso falar pra você que o vento do amanhecendo, às 5 ou 6, batia nos cabelos da sacada, brincava de nós, enquanto as nuvens carregadas pintavam de cinza claro o céu da noite que se despedia?
Eu amo a palavra, não me entenda mal, é só mau humor de madrugada. Porque o primeiro poema do ano foi um abraço, e é difícil escrever depois de ler o Mundo, poeta filho da puta.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Porra

Será que tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda?