terça-feira, 27 de março de 2012

Por amor ao contingente

o ser
em si
é um
ah
cidente
aquilo a que se chama
"Homem"
não pode deixar de ser
"Homem"
sem deixar-
SE

ah
um brinde aos conceitos
sexistas
!

aquela que se chama
"mulher"
pode deixar de ser
"homem"
sem deixar de ser
"SE"

às 7 da manhã
descubro:
já deu
meio-dia

ontologia,
epistemologia,
hedonismo
e
metade do mundo
está atrasado

que diria Galileu,
que quase morreu
torrado?

filosofia é uma cinza
que
queima
no
breu;

o ser
em si,

é um achado



27/03/2012

Palestra sobre a questão da verdade em Leibniz.

sábado, 24 de março de 2012

Escuta

cuidado, rapaz
na corda-bamba do trapézio
não sobe qualquer pé

cuidado, rapaz
o segredo de não cair
de
mo
ra
já dizem lá no circo

o segredo de não cair
é gostar muito, rapaz:

só quem ama
equilibra

terça-feira, 20 de março de 2012

Um poema da Bárbara

OLHAR QUE REFLETE O MUNDO MEU: O SEU

Os olhos do corpo
Parecem os olhos do mundo
Digo
Os olhos do seu corpo
Parecem os olhos do meu mundo
Seus olhos me olham e.
Seus olhos me olham
E vejo o mundo que sonho dentro
Os outros olhos, que pareçam qualquer
Que pareçam o que vivo fora
Que pareçam

Você
Me sonha dentro


Bárbara Gontijo

(www.querodizeraquevim.blogspot.com)

terça-feira, 13 de março de 2012

Nunca e mais

Você se foi
levando nas costas
um pouco de nunca
E MAIS:

Aquele imã de geladeira
que eu gostava tanto
e os cds da Janis Joplin
que a gente colocava
pra suar

Você se foi
levando nas costas
as chaves da porta da frente
o cadeado da porta de trás
um pouco de nunca
E MAIS:
os segredos
da porta de dentro

(segredos arteriais)

Quando acordei
quis me ver,
não era mais eu:
você se foi
levando nas costas
minhas digitais

Todo o dia morre um dia.

Ai,
que dor,
que medo eu tenho
desse nunca mais.

segunda-feira, 12 de março de 2012

12/03/2007

Há 5 anos esse era meu primeiro dia no Pedro II. A maioria das pessoas muda completamente de vida quando entra para a faculdade. É preciso guardar essa data, porque, na verdade, minha vida começou a mudar completamente aqui. E ainda vive os reflexos. Foi bom. Foi bom demais. Agora chega do eu-de fato e vamos voltar ao eu-lírico, que é quando os pés não estão trocados e o autor encontra algum conforto quando se relê.

Dilemas

Não sei se compro uma passagem pra Brasília, um Ray ban ou os dois. Tenho muito medo de sufocar em Brasília, mas não é só o Djavan que diz que o céu é lindo, pessoas contam que é realmente impressionante, fico curiosa.
Pensando em Brasília, ouço meu professor de Direito Financeiro dizer em plena noite de segunda-feira: "a vida é muito curta... Com tanto espaço no mundo, a vida é uma poeira, sabe?" Foi com aquela entonação nordestina, bem carregada no sotaque. Ele tem o cabelo bem branco, deve ter mais de 60 anos, embora seja muito jovial, além de doce. "Eu tenho muito orgulho de ser da Paraíba, você vê, a Paraíba é tão importante que todo mundo que é do nordeste o pessoal chama de paraíba".
Achei essa sacada linda, muito "clariceana", ou talvez, "macabéica". A turma adorava a interrupção, bem mais leve do que o orçamento do Estado. Ele terminou, bastante sério, como quem dá um alerta de perigo:

"as paraibanas são as mulheres mais cheirosas do Brasil, visse?"

Saí da aula inspirada, pensando numa história cangaceira; ele no papel de delegado coronelista, algemava uma Maria Bonita pós moderna. Nessa história, o marido era cúmplice, e numa cumplicidade machista, o delegado pensou em deixar o sujeito livre, ao invés de prendê-lo junto com ela.

Então no clímax da história, o delegado, já sem paciência nenhuma com o cabra que não se decidia, num sol a pino, encerra aos berros a proposta ao marido, coitado:

_ Escolhe, homem, o céu ou o cheiro!

...

Não fiz o conto porque ainda não sei como sair dessa. Há dilemas menores que ainda não resolvi, não sei se posso decidir a vida de um cangaceiro agora.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Amigos e presentes


Para além do que já é lugar comum, ganhei de aniversário uma antologia poético-erótica, um livro sobre Sade, um vestido preto-mulherzinha, uma cachaça do Norte, uma cartomante (pois é), mais um que provavelmente também é curioso, mas só vou saber quando Júlia voltar de viagem e... um poema do João. É realmente uma sensação incrível ganhar um poema. Sinto que em qualquer ocasião vou ler e me sentir amada. Seu poema é um abraço, meu amor. O tempo voa, olha só quantas histórias nós já temos! Gosto do teu verso, gosto do modo passional como encara a inspiração, como encara a vida. Você agarra a poesia. E come. E eu te saboreio, te admiro e te amo.

Presente

Não tinha dinheiro pra compra presente
Certos limites são incongruentes
Ofereci afeto como pagamento
O filho da puta disse: Só lamento!

Procurei na fresta da minha janela
Por baixo das pernas, no vestido dela
Com verso rimado, que coisa mais brega!
Fiz o meu presente pra morena fera...

Fera
Ferra
Fera
Mim

Pêra
Péra
Que eu já vou

Leve
Leva
O meu afeto

Quebre
Quebra
Cada versinho

Tem morena no samba
Tem morena na cama
Morena na areia
Me morenar

Tua pele é o segredo
Tua boca é a chave
Teu verso é o porrete
Morena morenar

A roupa, a comida
O cigarro e as cinzas
A cerveja na mesa
O vinho na lua


O futuro te espera
O passado aguenta
O presente é o presente
Morena

João Victor

24/02/2012

(J., escolhi essa foto da Bruna porque, sem dúvida alguma, é uma das que mais mexe comigo. Quando vi, coincidentemente, foi logo depois que escrevi algo como "você é um barco a motor, louco pra ficar à deriva". Acabamos chamando a foto de "à deriva". Eu acho mesmo essa imagem linda, um pouco lúdica também, muito intensa. B., quero guardar essa lembrança aqui, embalada pelo poema do João, como um certo presente também, com a certeza de que admiro muito o seu olhar).

Tutorial para cansar

Fale aos berros.
Só fale de si.
Diga o quanto você é poético.
Diga o quanto seus versos são profundos.
Informalmente, me dê aula sobre algo que conheço bem.
Comece a falar sobre minha produção sem conhecê-la, começando bem assim:
"Você que é mulher, deve ler Clarice Lispector".
Acrescente, ainda sem conhecê-la, como um bom conselho: "porque é importante ter um estilo, e isso você só vai aprender escrevendo."
Fale compulsivamente às 7 da manhã.
Ignore a subjetividade de seu interlocutor, seja imediatista, queria respostas quando ele estiver lendo.
Toque com as pontas dos dedos enquanto fala, ou dê tapinhas. (palmas das mãos ainda são delicadas).
Haja como se aniversário e comemorações não fossem importantes.
Chegue atrasado e justifique com uma situação perfeitamente evitável.
Diga que fiz algo que não fiz.
Diga que falei algo que não falei.
Jogue responsabilidades na minha caixa de emails sem dar satisfação.
Ignore ironias, como se seu interlocutor não fosse esperto o suficiente para aquela sacada.
Seja grosseiro, sem nem estar com fome.
Recuse gentilezas.
Haja como se soubesse muito da vida, de preferência se esquive de algo besta apoiado nessa justificativa.
Seja violento com crianças, usando ameaças como vírgulas.
Seja folgado sem ter intimiidade; de preferência acabe de me conhecer, pare para conversar com um desconhecido e me faça esperar.
Assuma uma posição política que você não conhece.
Confunda gentileza com paixão, um flerte com casamento e uma provocação com grosseria.
Ignore a poesia cotidiana.
Faça piadas preconceituosas insistentemente, fora de contexto.
Ressalte nas pessoas características que as deixam inseguras.
Chame alguém para sair sem a menor noção de lugar.
Não seja recíproco.
Haja como se a vida fosse muito longa.
Tenha muitas reservas, sem charme, como quem belisca um prato estranho.
Critique o trabalho de alguém gratuita e cruelmente.
Diga que Filosofia não dá futuro.
Ponha o rótulo de "utopia" em tudo o que você não acredita.
Repita sempre: esse mundo não vai pra frente.
Use a idade para desqualificar a posição de alguém em público. (uma das campeãs da lista)
Não leve a juventude, os doentes, os psicóticos, os deficientes e as crianças a sério.
Fale coisas extremamente desnecessárias sob a desculpa de ser sincero. (também uma das melhores)
Diga com toda a firmeza que "x é natural do Homem".
Cochiche no cinema.
Haja como se soubesse exatamente o que eu sinto.
Seja absolutamente inflexível sobre tudo o que pensa.
Oscile, mude de humor com facilidade.
Faça tudo isso e ainda, se puder, numa segunda-feira de manhã, chame minha atenção como a gentil secretária que disse:
_ O papel do pedido ou sua identidade.
_ Aqui. (mostro a identidade)
_ Você precisa aprender a guardar papel.

(silêncio)

_ A senhora me conhece?

Aiai, é mole ou quer mais? Texto idealizado exclusivamente para imaginar que os cansativos do mundo não são assim, mas acabaram achando o tutorial no google e decidiram me sacanear. Uma dose de egocentrismo não vai mal nessas horas, vá lá...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Imperativos

Larga:

meu poema,
minha cabeça,
e a ponta dessa lança
que você abraça

Esquece:

o meu pra sempre,
o meu passado,
essas mentiras,
e o gosto daquele beijo
no meio da rua

Lembra:

a minha mão,
procurando a tua,
dentro do casaco,
a tua mão,
procurando a minha,
em todos os rascunhos

Toma:

meu Poême,
meu presente,
meu futuro,

toma meu tempo,
quebra meu relógio

Abre:

os olhos,
a porta,
as pernas,
abre a boca e diz que quer
que eu fique

Fala:

que me ama
que te falta
meu poema,
minha língua,
e o gosto daquele beijo
estalado da sua

Cabe:

no meu abraço,
na minha vida,
e no meio,
das minhas coxas
que são tuas

Lava:

essa louça,
essa mágoa,
esse orgulho,
essa saudade que só ela

Volta:

pro meu colo,
pro meu poema,
pro meu futuro,
pra chuva daquele beijo

Faz:

daquele jeito,
como se fosse a última

Faz pra mim:

um desenho de camelo,
uma torta de limão,
um filho, dois,
uma pose renascentista,
minha flor,
o que pintar por aí

Guarda:

cada letra,
cada carta,
cada coragem
de viver
guarda

Luta:

quando doer,
se estranhar o espelho
e não souber mais quem é
quem

Recomeça:

todo o tempo te espera
sem pressa
agora

Ouve:

meus imperativos se confundem
entre o sim e o não
me sinto estúpida,
não faço sentido

Olha:

se você canta músicas
que não existem
antes de dormir,
eu acho lindo;
o nome disso é
inspiração
mas sou tão dura comigo
quando esqueço a coesão

Me ajuda:
a perder os sentidos

Diga baixinho assim:

eu te amo,
isso é uma janela.

Eu digo assim:

eu te amo,
isso é um martelo.








Veja só:

somos realmente felizes
quando a incoerência
não dói.