segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Janela aberta

Janela vejo o mundo
que o calor anuncia

Sol nascente
Flanco transparente no vidro fumê
de outrora

Janela aberta nasci eu
Fresta no canto dela, ventania
sussurros

Janela aberta nasceu ela
Vidro fumê escancarado
Porta de incêndio
Explosão

Janela aberta
Eu posso ver, coração
Tua mesa e tua fome

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Babaca

Babaca - adj. e s.m.+f. Que é desinteressante ou irrelevante (conversa babaca). Pessoa boba, que se deixa enganar facilmente ou não tem atitude, desembaraço, vigor. Que é muito crédulo, abobado, pouco inteligente ou age de modo subserviente.

Trecho

"É assim mesmo: passar a mão pelo muro castigado
como se a mão passasse por coisa viva,

ou como se a mão, ao passar, passasse
à coisa contaminada a qualidade viva;
é exatamente isto: descer os olhos
pelo tronco da árvore qualquer da esquina

como se descessem por musculatura tensa,
como se, ao descerem, decifrassem

um vocabulário de líquens sem pressa;
não há outras palavras – me abrace, vá embora,

ninguém há de sentir falta e tudo pode ser
este pedaço de concreto na calçada."

Marcelo Diniz

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Para um amor felino

Há um gato que geme embaixo da minha cama. Eu trabalhei, tomei dois drinks, vi um filme chamado Tropicália, e mesmo depois de Caetano, Gil, e dos Mutantes, há um gato que geme embaixo da minha cama, ainda mais do que antes. Cheguei a procurar o felino, agachada pelo chão. Colchão, tapete, nada. Naturalmente, o gato geme mais embaixo do que a minha cama. Talvez no inferno de Dante, ou no inferno de Bergman. Talvez na rua, inferno de tantos. Eu não sei onde, mas o gato geme ainda. Ele suprime o "mi", e então quase late, mas é dolorido, eu mesma não chamaria de latido. Estou preocupada. Nada que não me afetasse me faria ficar de quatro. Procurei e não vi nada, mas há um gato ainda, que geme embaixo de mim. Geme sofrido, com tempo, geme como quem inventa um novo dialeto; eu já não sei mais qual é o barulho que os gatos fazem. Se o encontrasse, faria qualquer coisa por esse animal agora. Sei que ele tem medo, e que mesmo assim, subitamente, esperaria de mim que lhe segurasse a dor. Agora me dou conta, o gato esperaria que lhe desse qualquer segurança, é um perigo, eu nunca fui dessas, mas já estou tão perto desse amor felino. Quem dera que esse gato me ouvisse antes de ir embora. Eu tomaria seu gemido como um convite, beberíamos um pouco, ele me traçaria as garras que marcaram sua vida felina, eu lhe estenderia as mãos porque quero mostrar que não tenho unhas cumpridas, e mostraria as palmas também, talvez, porque um guru me falou certa vez que isso inspira confiança. Ofereceria meu colo, uma caixa de chocolates. Daria a ele de bom grado a minha mão para uma lambida, talvez lambesse também, mas nada disso funcionaria.
Sempre tive o bom costume de ouvir com atenção os gemidos da minha cama. Ofereci mais que mãos, alguns dedos às bocas que amei, que mordi, como caixas inteiras de chocolates. E os suspiros que bebemos, doses embriagadas de motivos para procurarmos de quatro e contentes, por felinos embaixo do colchão.
Nada disso poderia dar certo com um gato arisco, pois se já te mostrei não só as palmas das mãos, mas também dei olhos a elas, se elas te viram do avesso, e se elas gemeram embaixo da tua chama, e mesmo assim(...)
Nada disso daria certo com o gato, pois se já te estendi, não só a mão, mas os pulsos, a pulsão, e continuo sem saber onde é que você tem gemido.
Há um gato que geme em algum lugar, e eu escuto. Penso nele.
Você e esse gato ainda hão de encontrar muitas semelhanças.

domingo, 13 de outubro de 2013

Deixar a vida

"lavar o rosto
com a água do dia
acender o fogo
amassar o pão
inventar
o amor pelas mãos
deixar a vida

nos adivinhar"

[arrudA]


Foto do Canyon 2, Chapada dos Veadeiros, agosto, 2013

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Caetano ontem me cantando

Eclipe oculto (Caetano, ACHO, ainda tive dúvidas sobre ser do Cazuza)

"Nosso amor
Não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto
Fomos quase nada
Tipo de amor
Que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos
Os blues do Djavan...

Demasiadas palavras
Fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração
Tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida...

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?

Como nunca se mostra
O outro lado da lua
Eu desejo viajar
Do outro lado da sua
Meu coração
Galinha de leão
Não quer mais
Amarrar frustação
O eclipse oculto
Na luz do verão...

Mas bem que nós
Fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama
Nada pintou direito
É minha cara falar
Não sou proveito
Sou pura fama....

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?

Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar...

Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como som de Tim Maia
Sem grilos de mim
Sem desespero
Sem tédio, sem fim...

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?


Podia ser "você é linda" (hahaha), massss, sou eclipse oculto, fazer oq rs

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Chapada dos Veadeiros - agosto de 2013

Quando a seca arma a chuva

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Agosto, 30 - 2013

Conheci I. e B. no lugar onde fiquei. I. é um paulista zen, que fugiu pro mato nas férias do trabalho - "Quando você está em São Paulo, você tem que ser paulista, não tem jeito", ele disse. B. é uma garota de Porto Alegre, que curte meditação e yoga, e estuda Direito para "proteger o meio ambiente". Ela trancou a faculdade por um período para viajar pelo Brasil, e foi aí que nos conhecemos.
Acho que rolou um clima forte entre I. e B. Certo dia eles combinaram de acordar cedo e ver o Sol nascer. No mínimo, os dois fumam cigarro de palha, tem tudo a ver.
Ontem à noite rolou um fininho purinho, plantado na cidade. Saímos logo em seguida, maravilhados com a quantidade de estrelas no céu, contando as constelações, bem no meio do tubo da onda, falando besteira e rindo na cidade de terra batida. No dia anterior, havíamos falado sobre ET's. I. esteve em Varginha, contou que os taxistas de lá se orgulham de terem levado gente da NASA para visitar a cidade. As histórias de lá são bem impressionantes.
No fim das contas, estava todo mundo com uma vontade louca de comer doce. Sonhamos com o crepe de chocolate que havia num restaurante próximo, mas, aparentemente, é folga de metade da cidade na quinta-feira, e quase tudo estava fechado. No meio do desespero, encontramos um sujeito que nos disse:
"Vocês querem sobremesa? Vão ao "Dragão Gelado", lá eles tem um monte de coisas diferentes. É só entrar na principal e seguir reto."
I. nos guiou com firmeza, afinal, ele já era praticamente mais um dos 500 habitantes da cidade. Está aqui há quase duas semanas. Mas, qual não foi a minha surpresa quando percebi que I. direciona sua caminhada para, nada mais, nada menos, do que o bar do Valtinho?! Bem, achei que ele sabia o que estava fazendo:
"É aqui o Dragão Gelado?"
Valtinho exitou por um segundo, eu acompanhava a situação um pouco mais afastada:
"Pode sentar, fica à vontade."
O coroa era malandro mesmo! Um filho da puta do bem. Perguntou se era "litrão", me deu um aceno e foi lá pra dentro. I., muito educado, adentrou com Valtinho o balcão de onde a figura trazia os sanduíches e quitutes:
"O senhor tem alguma sobremesa?"
Valtinho estranhou: "Errr... sobremesa? Como assim sobremesa?"
"É, sobremesa... doce..."
E então ficou subitamente alegre: "Ahhhh, doce, tem sim, tem vários doces pra vocês escolherem aí!"
I. ficou animado, e eu já gargalhava do lado de fora. Era óbvio, e eu sabia desde o início, que o tal Dragão Gelado só podia ficar para o outro lado.
Entre risadas com B., ainda ouvi ao longe a voz do Valtinho tentar convencer: "Ué, tem rapadura, melado, paçoca..."

Demorei um tempo para convencê-lo de que Valtinho era preto velho, malandro. Ele estava realmente convencido de que o nome daquele boteco, copo americano, cerveja de garrafa, era "Dragão Gelado".
"Essa porra é nome de lanchonete de cursinho pré-vestibular", falei para I., enquanto ele ainda achava que o sujeito que nos falou sobre as tais sobremesas pensava em rapadura.
Fala sério. "Dragão Gelado". Quando é que isso vai ser nome de boteco?
Ah, esses paulistas.

domingo, 15 de setembro de 2013

Xamã

falar a língua
da libido
extrair dos seios
a primeira seiva
da manhã

anoitecer
no meio da sua
selva
traduzir teu breu
por entre dedos
de xamã

provar a polpa
do seu suco
suar as gotas
do teu beijo
marcar suas linhas
com meus traços
de afegã

afogar
nossas tardes
de domingo
preparar
a liturgia
derreter na boca
a disciplina
de uma cristã

acordar feliz
em plena segunda-feira
achar bonita
a sua loucura

meu bem,
foi a maça
que curou eva
verás amanhã:
é a loucura
a cura do divã

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Eu gosto do palheiro (versão final)

não uso vírgula
para separar interesses
eu como de tudo
eu gosto é do palheiro
e não vou procurar agulha
nenhuma

eu não sou garimpeiro
só uso óculos escuros
mal sei peneirar
desejos
e não uso vírgula
para separar interesses
eu gosto de palavras
intermitentes
e você odeia
esse meu jeito

eu te quero assim
mas não vou procurar agulha
nenhuma
eu não sou garimpeiro
tampouco muito gramatical
talvez eu seja
mesmo
pedra bruta
e você
poderia ser
um parasita mais sensual

meu amor,

não vai ser
nada bom
partir
eu não uso vírgula
para separar interesses
em cada ponto
uma saudade
saudade é coisa que mergulha
na vontade
de ser inteiro

descobri que sou metade
eis que estou
garimpeiro
nessa vida de agulha

sábado, 7 de setembro de 2013

Sobre o dia que disse eu te amo

Você pode duvidar quando eu digo que te amo. Pode dizer que eu não amo, e tudo o que você diz, pode dizer que eu não sei o que é o amor, que não é isso que eu sinto, eu falo isso pra todas.
Os poemas sentem o tamanho desse soco. Quem sabe ao certo o que é o amor? Minha cara, talvez, só se saiba claramente determinadas coisas em situações-limite. Tua arma na minha boca, a morte na minha cara, eu saberia exatamente a quem amei. No entanto, enquanto as horas me passam, e o coração bate em compasso, deixe-me explicar, todas as vezes que disse que te amo, falei como quem suspira. Você sabe o que é um suspiro? Um suspiro se diferencia da respiração porque é possível gostar durante.
Falei que te amo exatamente como quem suspira. Falei que te amo enquanto amava, não havia o que se explicar.
Veja bem: eu suspiro enquanto suspiro, e sobre minha respiração o que eu digo é que já respirei, passou por entre a frase. Não te amo como quem respira, o próprio amar se perderia nas facilidades desse automatismo. Já basta de futuro. Te amo enquanto te amo.
O amor também é o modo como eu me abro, assim como o suspiro se faz justamente no modo como se faz. Você entende? Veja se não é assim que te aparece esse fenômeno: é um estalo, uma distração breve, havia uma respiração comum e, de súbido, encontra-se a si mesmo suspirando, e, veja lá, você já está no meio do caminho e encaminha-se ainda a uma manifestação mais espontânea, e já não é uma respiração comum, você sabe disso, algo diferente acontece, e se encaminha para o fim, e esse fim não é trágico, é só gozo. O gozo do suspiro ganha até um gemido, uma espécie de "ah..." contínuo, até que se dá conta, e surpreendentemente; eis que suspirei.
Falei que te amo num suspiro, não como quem já o tinha de pronto, não se faz planos para respirar depois, expectivas, definições, pelo seu deus!, quanto desamor. Falei que te amo, nunca por ter absoluta certeza do que isso significava para mim, para nós, mas porque isso não importava. Disse que te amo porque me percebi subitamente no terreno do amor; eu me percebi simplesmente ultrapassando a fronteira da respiração.
Eu estava suspirando, e isso era o amor pra mim.
É o que importa: não a palavra, mas suas asas.
Ora, ainda assim, duvide: você é atéia para os melhores deuses.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Agosto, 29 - 2013

Eu não sou fumante, mas gosto de fumar. Acredito mesmo que só gosto de fumar porque não sou fumante, mas isso é outra história.
Bem, a prova de que se trata mais de prazer do que de necessidade fisiológica - embora as duas estejam diabolicamente interligadas - é que no armazém da cidade só tinha Derby, e eu fiquei sem cigarros até o Valtinho, dono do bar da esquina, abrir o boteco.
Ia pedir só o maço, mas ele é pura lábia, "e o que mais, um litrão?". Acabei levando o tal "litrão" de Antártica, um litro de cerveja para a moça. Ele era um senhor robusto, muito simpático: "Você tá sozinha?", ele me perguntou, assim que peguei a garrafa.
"Sim."
"Então eu vou sentar com você!"
O bar estava vazio, mas era na beira da rua e volta e meia alguém passava para cumprimentá-lo. Ainda assim, conversamos bastante. Valtinho me disse que nasceu na Bahia, e sempre trabalhou com pedras.
"Já garimpei muito, já vendi demais, já fui roubado."
Ao que parece, ele vendeu esmeraldas para um sujeito que estava acostumado a comprar com ele. O cara deu "um cheque de 8 milhões e sumiu no mundo". O advogado disse para Valtinho que, para reaver o dinheiro, teria que matar o filho da puta. Que orgulho da profissão
Valtinho não mata nem mosca.
Perguntei como ele chegou em Goiás. A história é curiosa:
"Eu tava num bar em São Paulo, tinha acabado de vender umas pedras pruns indianos. Aí a imprensa fofoqueira - ele disse mesmo assim, estou transcrevendo, João - mostrou que tiravam pedras aos montes em Goiás. Então eu levantei e disse: 'Tô indo pra lá agora!' Passei na Bahia, falei pra minha mãe ajudar a arrumar as coisas, que eu tava partindo. Ela chorou muito, mas eu fui."
Em Goiás, Valtinho se apaixonou e ajudou a fazer dois filhos.
Eu e você tomando café lado a lado, entre mil e um cafés da cidade, entre milhares de habitantes.
Em cada escolha, uma vida.


Ele me disse que o segredo do cristal é limpar bem.

Agosto, 28 - 2013

3. Acabei de falar com a atendente do CNPQ. Depois de esperar na fila por 15 min., ela me disse que teve um erro no sistema. Eles enviaram indiscriminadamente emails do tipo. "Pode ter um erro, ou não", ela me disse.

É por isso que eu bebo.

Agosto, 28 - 2013

2. Uma maré de azar de agosto ainda me persegue no Rio de Janeiro. O CNPQ me mandou um email dizendo que meu pagamento foi rejeitado por incompatibilidade dos dados bancários. Puta que pariu. Os filhos da puta também não pagam retroativos.

Agosto, 28 - 2013

1. Acho que já deveria ter dito que essa cidade de São Jorge tem uma energia sensacional. Poucas vezes me senti tão bem sozinha num lugar e, considerando que viajei sob a sombra do fim, ou da dúvida, eu tinha muitos motivos para não me sentir bem, justamente sozinha, em lugar algum.
Ao contrário disso, a cada dia adio minha volta o quanto posso. Aliás, percebi que não sei que dia é hoje, e que, para descobrir, agora, preciso contar a partir do sábado: "24, então domingo 25... hoje é 28". Ah, o sábado 24! Creio mesmo que ele foi um dos responsáveis pela iniciativa desse discurso periódico. Melhor não falar disso agora.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Agosto, 27 - 2013

3. Andei 1h e meia com as crianças e o guia até a cachoeira que se chama "Cariocas". Descobri depois que ela tem esse nome porque duas cariocas ficaram alguns dias perdidas por lá. Outra pessoa me disse que, na verdade, foram 3 cariocas que demoraram pra voltar, até que o povo se desesperou e foi procurar. Quando chegaram, estavam elas deitadas tomando Sol. Anos 80. Gostei mais dessa versão.
No grupo de crianças, havia uma que percebi ter alguma espécie de "distúrbio", "deficiência" - todas as palavras são péssimas - muito sutil - não sei exatamente o que ela tinha - mas perceptível. Depois de alguns bons mergulhos, percebi que ela falava, repetidamente, de conhecido a conhecido, algo como "eu deixei as migalhas caírem no chão".
Ela repetia isso, e eu estava completamente absorta na observação de um conjunto de peixes que, de modo muito interessante, se movimentava. Imersa nessa dança, sinto no calor do meu pescoço: "eu joguei a migalha do bolo no chão". Ora, então ela jogou as migalhas. Estava mais curioso, afinal.
"Eu também jogo tudo fora", era minha vontade de dizer, mas não pretendia embarcar nesse tipo de confissão naquele momento. Ao invés disso, disse: "Eu ouvi, você já falou".
"E aí?", ela me respondeu.
"E aí o quê?"
"E aí que eu joguei as migalhas no chão?"
Ela era mais dócil do que desafiadora, mas resolvi continuar:
"E aí que você pode catar uma por uma, ou deixar no chão, para uma formiga levar."
"Como assim?"
"É uma escolha. Você tem essa escolha."
Talvez eu pensasse nessa hora em quantas migalhas já fiz questão de catar, porque nunca desisto, porque gosto do gosto, porque é difícil.
"E o que você escolheu?", perguntei.
"Eu escolhi deixar no chão".

Agosto, 27 - 2013

2. Paramos no meio do caminho para descansar e uma das meninas da excursão era muito parecida comigo quando era pequena. Tive certeza quando ela perguntou em voz alta, num tom insolente:
"Alguém alguém aguenta 30 quilos andando?"
O guia tagarela perguntou: "Você tem 30 quilos?", e ela respondeu: "Tinha. Agora eu tenho 28 e meio."
Pedi para tirar uma foto dela dizendo: você parece alguém que eu conheço.
Ela sorriu, parou para a foto e só após alguns minutos perguntou: "Quem eu pareço?".

Agosto, 27 - 2013

1. Quando se viaja sozinha, tem sempre alguém querendo te comer.
Na portaria do Parque Nacional da Chapada, um guia me convidou para acompanhar o grupo com o qual ele estava trabalhando. Era uma excursão com cerca de 15 crianças, seus professores e coisa e tal. Topei.
No meio do caminho, ele falava demais - é impressionante como encontro homens que falam demais, minha paciência é zero.
Depois de falar muito sobre seu recente término - tudo isso numa trilha com sol a pino, e eu só conseguia responder "aham", "hum" - ele perguntou se eu tinha namorado.
Respondi "quase", pra dar outro rumo à conversa. Na real, não tenho nada, ninguém nunca tem nada, mas esse papo me deu muita saudade.
Ele ficou mais quieto depois que disse isso, mas ainda pediu meu telefone.
A verdade é que tem sempre alguém querendo te comer.

Agosto, 26 - 2013

3. Estava convencida, desde que saí de Brasília, de que seriam 6 horas até a cidade de Alto Paraíso, e que eu chegaria às 4 da tarde. Se eu quisesse ir para São Jorge, cidade onde fica o Parque Ecológico da Chapada dos Veadeiros, teria mais 40 min, sabe-se lá de que, já que ninguém sabia muito bem informar como eu poderia chegar lá sem carro.
Às duas da tarde, vi metade do ônibus descer, com um monte de bicho grilo, e uma gringa que me fez pensar "chapada" quando olhei. Bom, desci também, como quem não quer nada, fui ao banheiro, já que era um monte de malas pra pegar, e então decidi perguntar ao sujeito que era algo parecido com um co-piloto:
"O ponto final é em Alto Paraíso, certo?"
Ele confirmou, e voltei ao meu lugar. Desconfiada que sou, perguntei ao cara do meu lado e ele disse que o ponto final era nada menos do que em Tocantins.
Desci correndo exatamente na hora que uma van cobrava 10 reais pela corrida para São Jorge. A irmã do motorista é dona de um albergue simpático no qual me instalei, e resolvi todos os meus próximos dias em 10 minutos.
No fundo, se eu acordasse em Tocantins, era bem capaz de ter ficado. É tempo de resiliência.

Arruda

amar
é uma coisa de minutos
três mil voltas no sol

e já não te escuto

[arrudA]

Você só descobre pra que serve uma antena de tv quando vê o pôr-do-sol de cima dela

Vista da Chapada, agosto, 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

Agosto, 26 - 2013

2. Estou indo de Brasília para Alto Paraíso, e depois talvez para São Jorge, a cidade onde fica o parque nacional da Chapada dos Veadeiros. Paramos numa cidadezinha para as pessoas almoçarem e irem ao banheiro.
Uma senhora que muito me olhava no ônibus - talvez minha blusa de caveira mexicana, talvez apenas o mistério da estrada, a menina sozinha - saiu do compartimento onde ficam confinados os incontinentes e me disse:
"Esse banheiro é de pobre".
Eu olhava para ela através do espelho, e convidei-a, mesmo sem querer, a uma justificativa.
"Não tem papel", ela disse.



Curioso como parece, a essas senhoras, sinal de nobreza manter a buceta seca.

Agosto, 26 - 2013

1.

Comprei este bloco de notas na rodoviária intermunicipal de Brasília. Eu não sabia que vendiam bloco de notas em rodoviárias, mas "essa foi planejada por Niemayer", é o que diriam. Pra falar a verdade, eu achei até bem mal planejada. Aliás, pouco funcional.
Como é possível que se projete uma rodoviária cuja entrada só acontece após uma rampa, ligeiramente íngrime, mas absolutamente infinita quando se está com peso? Curioso é que rodoviária não é um lugar no qual é raro entrar com peso. E eu não estava com pouca coisa. Mandei Niemayer tomar no cu três vezes.

No fim das contas, funcional ou não, a verdade é que é bonita pra caralho.

Diário de um fescenino

Antes de viajar, fui à biblioteca municipal de Niterói, que adoro, procurando alguns livros com os quais me distrair. Perguntei por Bukowski, mas o que havia dele eu já tinha lido. A atendente, percebendo meu ar desapontado, perguntou se eu conhecia Rubem Fonseca. Só de nome. Segundo ela, se eu estava afim de uma literatura marginal, sem papas na língua para a violência, ele era o cara.
"Eu vou te mostrar a prateleira dele, e aí você pode, quem sabe, escolher pelo título".

E então havia esse livro, "Diário de um fescenino". Eu nunca ouvi falar dessa palavra. A capa dava a deixa:

"Fescenino [do latim fescenninus]: ADJ. E S. M. 1. que ou o que tem caráter obsceno, licencioso; difamador, devasso 2.gênero de versos licenciosos e injuriosos, muito cultivados entre os antigos romanos; ou o que se diz sobre esse gênero; ADJ. 1. relativo à poesia e aos habitantes da antiga Fescênia, Itália."

Ok, escolhi pelo título.

E então havia esse personagem, Rufus, tão eu, e tão fodido junto comigo, na hora exata em que tudo estava fodido pra mim e pra ele, e eu lembrei como a literatura crua consola - se por um lado um diário não passa de uma mera descrição da realidade, por outro lado, foda-se - e achei justo abrir uma aba no blog (ou quem sabe outro blog) em homenagem a esse cotidiano filho da puta. Depois daquele sábado passei a documentar determinados momentos da minha viagem, e tomei gosto pela coisa.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Herman Hesse

Quase sempre: Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Samba de agosto


Senta aqui, esquece essa história
Que cheira a uísque
Do vagabundo

Vem aqui
Traz o pescoço
Ou você esqueceu
Que é o pescoço que mexe com o mundo?

Esquece essa história, branquinha
Que louca, mas que loucura
Até parece que ninguém sabe
Que sem você
A minha branquinha
É só cachaça da pura

Esquece o que deu
A gente aprende e biografa
Depois cura essa ressaca na cintura
No pandeiro, no terreiro,
Ou na boquinha
Da garrafa

Não pensa em mim assim Não
Toda a vez que eu te toco
É paixão
Não é tortura
Seu braço é meu braço
É louco, é uma loucura

Esquece o que doeu, branquinha
Sua nuca é minha

Seu nunca mais é a pior dose
Daquela branca purinha

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Sugestões para atravessar agosto

De Caio Fernando Abreu


Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante:ir, sobretudo, em frente. Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir,dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios , premonições.Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem:qualquer problema , real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos- ou precauções-úteis a todos. O mais difícil:evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade...Esquecê-lo tão completamente quanto possível(santo ZAP!):FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já. Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se avida não deu, ou ele partiu- sem o menor pudor, invente um.Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. emoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados. Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se , e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques-tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire , a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas- coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos. Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente nãose deter de mais no tema. Mudar de assunto,digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:. (crônica escrita em AGOSTO de 1995, O ESTADO DE SÃO PAULO)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Bukowski depois daquela madrugada fria

"às vezes sou amargo mas no geral o sabor tem sido doce. é apenas que tenho medo de dizê-lo. é como quando sua mulher diz, “fala que me ama”, e você não consegue."

terça-feira, 9 de julho de 2013

Numa chuva de segunda

Cabelos já brancos, os mesmo olhos. Os olhos não mudam de cor com o tempo, já bastam os pêlos. Para alguns já basta a vida. Sabe-se lá quanto tempo os dois já viveram. Menos ainda o quanto já viveram juntos. Não parecem preocupados. Bebem vinho. Ou será conhaque? Depois de você, quase tudo é vermelho pra mim. Vejo as costas do homem, o cabelo bem cortado. Ele fala, e vejo as costas do braço falarem também. Ele gira a taça por entre os dedos, sacode o vinho - não o líquido, a cor. Sacode a cor e vira a taça na boca. Eu não vejo descer, mas sei que ele ainda queima. Eu sei que ele ainda queima com ela. O tempo não passa à mesa. Preciso escrever, preciso escrever sobre eles, preciso escrever sobre qualquer um que é, Marcelo, "sorria, você está sendo", como é bom escrever sobre que o está sendo, como é bonito ver uma taça esvaziar. Eu bebo enquanto o casal da frente se olha, e fico pensando: como é bom esquecer o tempo e beber com amor numa segunda-feira.

domingo, 7 de julho de 2013

Angústia

Meu olhar da prima caçula, 29 de junho

segunda-feira, 10 de junho de 2013

E a máxima é:

"A gente nunca sabe o que acontece quando a gente beija alguém!" M.D.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sara Noriega

"O amor é tudo o que fazemos nus." G.G.M.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Nossa primeira aula de Filosofia: eterno retorno - Nietzsche Presente sobretudo no Zaratustra, mas que acompanha a obra inteira dele. Basicamente: você vive sua vida de modo que, se um dia, algo como uma entidade te sugerisse viver tudo novamente, vc permitiria que se repetisse? Melhor, como diz no livro, diante dessa proposta, diria: "ó, tu és um deus!" Ou: "ó, tu és um demônio!" Não quero invadir seu espaço... não precisa me responder, é q estava lendo sobre isso, e achei q vc ia gostar de pesquisar sobre o tema. Até pq é bem intenso, e interessante Me lembrou um poema q escrevi tbm, mas é melhor deixar pra outro momento, ou outra vida, quem sabe... Às vezes sinto um aperto de não saber o q está acontecendo com vc, como vai o inferno astral, se está feliz, se bebe só uma vez na semana, se tem caipirinha com adoçante, e se ele é bom ou se é ruim, e você prefere sem. Eu não queria que vc sumisse da minha vida, mas pode ser o melhor, pode ser o momento, tudo bem, a vida continua, só guarda: se o tal anjo me perguntasse, se poderia me condenar a viver tudo o que eu fiz até hoje, pro resto da vida, e pra eternidade, eu diria, sem dúvida, do alto da minha pouca religiosidade: "ó, tu és um deus" Faria tudo igualzinho. Tô aqui, sim? Por perto. Vou dormir. Beijo com carinho

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Eu preciso de

um pouco de prosa
pra não ter
prozac

domingo, 27 de janeiro de 2013

Melhores coisas do mundo

Vinho tinto
Dormir na chuva
Blues
Gargalhar
Queijo
Matar saudade
Escrever um poema
Ser inspirado
Inspirar
Comer
Viajar
O barulho do papel de pão
Fazer aniversário
Se apaixonar de novo, e de novo
Colecionar histórias de desconhecidos
Achar que acorda cedo, mas é feriado
Encontrar por acaso
Confiar em alguém
Ouvir música na ponte
Pôr-do-sol às 9 da noite
Surpresa
Sexo com quem ama
Achar dinheiro no bolso da calça
Fazer as pazes

(A terminar)