quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Seu juiz, não me prende, é poesia

A mulher disse que o cara tem Alzheimer. É duro. É mais duro ainda porque ela também assinalou: demência.
Demência é uma palavra muito cruel. Sempre me caía mal quando ouvia alguém dizer que fulano é demente, mesmo se for esse o termo certo para o tal do diagnóstico, seja lá como se chama isso. "Certo" é engraçado. "Certo" é massagear os ouvidos, ora veja. "Demente" não massageia nada.
A filha dele mora na Lagoa, mora com ele. O coroa tem mais de 85 e tem Alzheimer, eu já disse isso, eu sei, é só pra ficar bem claro que ele tem Alzheimer, você entendeu, certo? Porque quem disse isso a princípio foi a advogada, quando abriu o processo com o pedido de interdição.
Uma interdição pode acontecer diante de uma doença como essa, que faz uma caneta na mão virar uma verdadeira arma de auto-destruição. O sujeito perde os direitos políticos e, sim, outra pessoa responde por ele. Era isso que a filha do cara queria.
O juiz mandou o perito dar uma olhada na situação, pra ver se não era caô da garota pra ficar com o dinheiro do velho, isolar ele num quarto e dar festa pelo apartamento inteiro em plena quarta-feira, essas coisas que eu e você sabemos que podem acontecer.
O processo caiu na minha mão sem querer, eu nem flertei com ele, veio de mão beijada e eu li despretensiosamente, porque me interesso pelo outro, porque sou curiosa, porque gosto de ver a história acontecer. A surpresa, seu juiz, foi a poesia da demência.

(...)

Relata que o avô faleceu aproximadamente em 1962, com 61/62 anos.

"sequela da 2ª guerra, meu avô foi prisioneiro de campo de concentração na Rússia por 4 meses."

Trabalhou como gerente de obras, gerente de hotel, carabineiro. Ao que o saiba, foi tababista, e foi elitista:

"de vinho, com certeza".

Perguntado quanto dá 7+15, diz:
"7 mais... 15... 7 mais 15... acho ou não... 7 mais 15
...
...
de que sete?"

(Lúcido, meu caro psiquiatra. De que 7 o senhor fala?)

São 15hrs 02 min e pergunto se sabe qual é o meu nome, ao que diz:
"o seu nome?
Eu to sendo agora...
e você tá aqui."

(Não tem sigilo, seu juiz. Tem poesia aí em cima.)

2 comentários:

Charles Moreira disse...

Não entendi bem. Está escrito assim no processo?

É curioso, bem curioso. Tem poesia!

T. disse...

Sim!!

O início é contextualização minha. Os parenteses são meus. A partir de (...) é relato do psiquiatra e, entre aspas, a fala do sujeito em questão desde o início da história.