quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os vestidos do tempo

Outro dia mesmo, você vê, estava eu numa fila enorme, no banco. Atrás de mim, um cara de meia idade falava ao telefone com uma mulher que, suponho, talvez catolicamente: era sua esposa.
Conversava um tanto puto por conta da fila, que parecia mesmo infinda. Enquanto falava com ela, olhava de rabo de olho o início da centopéia, como quem parece maquinar algum plano maquiavélico.
Eu observava a evolução da conversa, atentamente mergulhada naquela outra vida; um dos prazeres que as filas proporcionam é o tempo.
Não o tempo corrido, que não se pega, mal se vê, mas, ora ora, o tempo do quase, o tempo do ainda: o tempo da espera. Eis o grosso desse fenômeno, eis o concreto desse mistério: quem diz que nunca tocou no tempo, o diz porque nunca precisou esperar.
O tempo da espera é tão real que pesa. É uma presença imperativa, altiva, tão pouco subordinada.................
uma presença que dói. Por muitas vezes dói. Nem sempre as pernas, as costas, a cabeça; dói por dentro. Num ponto tão misterioso quanto o tempo, tão pouco palpável quanto ele, mas que a dor faz tomar forma: a aflição da espera desenha o disforme.
Na fila do banco, quase ninguém vê. Olham seus relógios, analisam os ponteiros, param, pensam, falam com suas esposas, disfarçam a espera, ensaiam uma conversa qualquer - quem sabe o tempo - "que tempo!", disse um.
Da fila dos idosos, responde um senhor, cujo quadril se sustenta em pequenos galhos já bem gastos: "olha, eu não aguento mais esse tempo".
O asfalto até queimava, mas lá fora. O tempo que li nos galhos era outro.

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