sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Se eu chorar, corra

Se um dia eu chorar na sua frente, é porque alarguei. De tanto engolir, minha alma engordou. Aumentou suas medidas, arrancou o vestido pelos olhos. Pode ter certeza: se eu chorar na sua frente é porque encaixei e não coube. Corra.
Não ria de mim. Quase todo mundo cabe em si, eu sei. Quase todo mundo guarda os olhos para ver, é bem melhor assim, eu penso sempre nisso, mas, se eu chorar na sua frente, tente entender que não quero.
Corra pra ver que não posso nada com minh'alma. Não tem querer quando ela incha, não tem mais eu, persuasão, suborno; quando choro, meu eu é súbito.
É uma experiência que finaliza toda e qualquer discussão cuja pergunta central é se a alma existe. Que piada, eu diria: quando choro eu quase pego nela.
Pego parece tão carinhoso, é mentira, eu quase rasgo ela. Depois amo. Uma ruminante de alma: é o que devo ser.
Mas você, se eu chorar um dia, corra. Corra rápido, a passos largos, sem medo;
corra pra dentro de mim.
Haverá espaço, talvez um lugar já vazio onde estará escrito "alma", não se espante. Trace um risco, escreva "lama" e deixe vazio mesmo. Corra daí. Corra mais fundo, mais dentro que minha alma, vá até onde as pisadas cessam: eu deixo você olhar pra mim.
Então me olha lento, por favor, demora esse olhar por dentro, ninguém nunca me olhou assim, eu nunca deixo entrar. Diz pra mim de que cor é meu eu mais fundo, diz se é bonito, se cheira bem.
Morde. Isso, devagar - arrancar um pedaço dói. Agora me diz que gosto eu tenho, se é doce meu mistério, diga que tal te parece...
Esquece os minutos, degusta minhas entranhas, confia no meu avesso.

... se eu chorar na sua frente, corra pra dentro de mim. Se eu chorar por dentro, nada. Se afundar, afundo junto, e nada mais.