domingo, 3 de maio de 2015

3 de maio

Então é disso que se trata, enterrar todos os dias os livros que ficaram esquecidos na estante, o cheiro do perfume e todos os vermelhos. É o que parece, enterrar todos os dias aquilo que já se esqueceu. Então é disso que se trata a vida?; esquecer. E cruzar esquinas que põem a faca nos peitos do mundo e te assaltam as memórias. É disso que as esquinas se alimentam, e por onde as ruas gozam secretamente. As praças públicas, os mirantes, não é disso que eles vivem?, de dizer que a vida é lembrar. É disso que se trata, então?; estrangular o tempo e dar um nó, até que seja impossível saber se algum dia houve um passado, se não nascemos todos agora, se você amou inteiro. Até que maio seja mais um mês, até que "feliz aniversário" seja um dialeto de uma tribo africana pouco conhecida. Até que teu cheiro seja água engarrafada, e tua saudade uma dor de estômago qualquer. Até que meu desejo seja fome, e todas as lágrimas, antiséptico para os olhos. Morrer aquele tempo, para que ele não nos morra. É disso que se trata: cultivar as flores. Enterrar a cada dia, novamente, os nossos mortos.