domingo, 12 de fevereiro de 2012

Entre flores e meninas

Quando você chegou, te recebi com flores, assim como aconteceu naquele aniversário. Adoro dar presentes, mas não sei se sou muito boa nisso. Falta um gole de paciência; gosto muito quando os presentes me encontram. É mais ou menos assim: ao longo de uma conversa, surge a deixa que te lembra o livro x, a bebida outra, o afago preciso; dão bons presentes, esses segredos discretamente delatados.
Talvez tenhamos sido sempre claras demais. Varri as prateleiras, estandes, vitrines... nada te surpreenderia. Pensei em levar aquele livro sobre o qual falamos, do velho que nunca dorme, porque tem medo de morrer - ou será que sempre dorme? - mas sua avó havia morrido recentemente, não ia pegar muito bem.
Até uma hora antes do jantar marcado na sua casa, tudo o que eu tinha era a certeza de um vinho na cabeça. Passei no mercadinho daquele português gente muito boa e disse a ele que a ocasião era especial, que o vinho era presente, que você gosta desse jeito, assim assim e coisa e tal.
Ele entendeu bem, fez cara de sabido, me mostrou a palma da mão como quem diz "aguarde" - ou, quem sabe "me veja". Eu vi. Das linhas da pele do português, que agora vasculhava suas prateleiras com ar professoral, virei para o dedo que quase me doía, de tanto que tocava minhas costas.
Nessas circunstâncias, costumo me virar com cara de poucos amigos, você me entende, não é nada agradável ser abordada dessa maneira insistente.
Virei.
Quando percebi o que me chamava, tive a estranha impressão de ter sido tocada pelos pequenos caules de rosas que surgiam a minha frente. Veja só que tamanha surpresa tive: flores de todas as cores, vermelhas, brancas, quase cor de chá brotavam de um enorme balde que flutuava bem ali na minha frente.
Não tenho muita certeza se foi porque nos encontraríamos em seguida, mas havia também aquela flor amarela, que, quando olhei, era você. Não sei se já te aconteceu isso, de ver uma pessoa num balde de flores. Sei que muitos encontram amores em livros, paixões em quadros, lembranças no outono: eu te vi naquelas pétalas.
Eram vivas, de um amarelo mais expressivo do que o normal. Como se não bastasse, estavam pouco abertas, nesse contraste que envolve a timidez e a ousadia de um desabrochar; a flor amarela era você, dizendo sim à vida.
De repente, o balde cambaleou, percebi que se escondia embaixo de todas aquelas cores uma menina de pouco mais de um metro e meio, que tentava equilibrar as flores - não tão flutuantes assim - com as duas mãos.
"Compra flor, tia?", me perguntou ofegante.
"E por que eu vou comprar se é coisa que dá em tudo quanto é lugar?", decidi provocar a criança.
"Minha mãe falou que nossa flor é diferente" - ela disse, em tom de mistério.
"Ah é? E eu posso saber o que ela faz?"
"Ela faz a pessoa que receber ser feliz pra sempre."
"É mesmo? Então eu quero essa amarela do meio, você gosta dela?"
"É muito bonita, tia! Mas não prefere essa rosa mais aberta?"
Disse que não, queria aquela outra. Agradeci logo depois que ela embrulhou e foi embora, serelepe, interceptando os casais que encontrou ao longo da calçada.
No caminho pro seu jantar, lembrei dos livros que quase levei, do vinho que escolhi e de toda a sorte de objetos que pensei em te comprar: esse ano não.
A menina era esperta, boa vendedora, ainda vai descobrir que o há de diferente com as flores é justamente o que as aproxima de nós: elas morrem.
Elas morrem, e o feliz para sempre é sempre no futuro. Não escute essa bobagem, sempre é nada, não se pega nele nunca, e eu te quero mais perto, mão na minha mão, mais calor, carne, menos príncipe encantado, conto de fadas; eu te quero terrena, flor. Cada corpo é um paraíso.

Antes de tocar a campainha, puxei a caneta e escrevi com letras miúdas no cartão:

gosto-de-te-ver-florescer.

Já é seu aniversário, meu amor; a vida não pisca.

4 comentários:

juh disse...

Pode nao saber escolher presentes, mas sem dúvida sabe escolher as palavras.

Bárbara Gontijo disse...

Às vezes eu sinto vontade de te encomendar uns textos.
Você fica dizendo as palavras que passam em pensamentos pela minha cabeça.

Karine Reis disse...

eu adoro quando ler me fascina. Vc provoca isso. É saboroso, leria livros e livros seus. Com um bom vinho e rosas amarelas por perto.

Bárbara Gontijo disse...

LERIA LIVROS E LIVROS SEUS, FATO.